segunda-feira, 9 de maio de 2011

Artigo Revista E-hum/UNIBH

FRANCISCO CURT LANGE E O MODERNISMO MUSICAL NO BRASIL: IDENTIDADE NACIONAL, POLÍTICA E REDES SOCIAIS ENTRE OS ANOS 1930 E 1940


Ms. Loque Arcanjo Jr., UFMG



Resumo

Este texto tem como objetivo uma análise de alguns elementos do modernismo musical no Brasil entre os anos 1930 e 1940, tendo como referência a figura de Francisco Curt Lange. Esse musicólogo é pensado como o centro de uma rede de sociabilidade entre músicos de diferentes perspectivas estéticas. Em seus diálogos transitam temas que envolvem a cultura e a política no Brasil daquele contexto, bem como as diferentes posições de intelectuais, como Mário de Andrade e Joaquin Koellreuter, frente a um cenário de construção de identidade musical para o Brasil.


quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Francisco Curt Lange: modernismo musical sociabilidades e identidade nacional (1930-40)

Franz Curt Lange, musicólogo nascido em Eilenburg, Alemanha, em 1903, morreu em Montevideo em 1997, graduou-se em arquitetura na Universidade de Munique em 1927, e doutorou-se em Bonn em 1929, com uma tese sobre a polifonia nos Países Baixos. Estudou regência com Arthur Nikish (1885-1922), um dos maiores nomes da regência, e responsável em grande parte pelas reputações das orquestras de Leipzig (Gewandhaus) e Berlim (Filarmônica) cargos que acumulou até a morte. Além de estudar regência e piano, Curt Lange foi discípulo dos mais eminentes musicólogos alemães: Adolf Sandberger (1864-1943), Ernst Bücken (1884-1949), Erich Hornbostel (1877-1935), Curt Sachs (1881-1959) e do belga Charles van den Borren (1874-1966).[1]
Desenvolveu uma trajetória muito importante na América Latina. Estabeleceu-se em Montevidéu em 1930, a convite do governo uruguaio, dirigindo a seção musical do Instituto de Estudos Superiores do Uruguai. Criador do chamado Americanismo musical e do Boletin Latino-americano de Música (1935-1946) e autor de diversos ensaios que tratam da música colonial latino americana.
Com o auxílio financeiro de duas instituições privadas, o Arquivo Curt Lange que foi integrado à Universidade Federal de Minas Gerais em 1995 (quando surgiu a denominação Acervo Curt Lange - ACL-UFMG) oferece no acervo registros da vida musical latino-americana ao longo de praticamente todo o século vinte e, desta forma, oferece uma documentação preciosa para a pesquisa musical, bem como para o estudo da musicologia na América Latina.[2] Além dos registros audiovisuais, das partituras e dos programas de concerto e periódicos, tal como o Música Viva, estão concentradas no Arquivo cerca de 70.000 cartas enviadas e recebidas pelo musicólogo alemão nas quais encontramos interlocutores importantes do cenário musical e musicológico dos anos 1930 e 1940, como Villa-Lobos, Hans Joachim Koellreutter, Cláudio Santoro, Mário de Andrade, Andrade Muricy.
As cartas são fontes privilegiadas que oferecem uma gama de possibilidades para a pesquisa histórica. Estas expressam diversas imagens que os correspondentes fazem de si e do destinatário e também ocultam muito destas imagens. Criam um desejo de reciprocidade, pois o envio de uma carta deixa explícito e por muitas vezes implícito o desejo de resposta.[1]
As cartas expressam a presença de redes de comunicação entre indivíduos e grupos, sendo a partir destas, necessário pensar a construção de redes de sociabilidade por meio das quais os correspondentes constroem implícita ou explicitamente aproximações, distanciamentos, rupturas, pactos, tensões e afetos.
Como no caso do arquivo pessoal de Curt Lange, “a conservação de séries inteiras por escritores, políticos, artistas e outros nos faz pensar em um ato de memória consciente e sondar sua possível interferência sobre a espontaneidade dos escritos.” [2] O mapeamento desta tipologia de fonte consiste na identificação do volume de cartas endereçadas a cada um dos correspondentes e sua distribuição temporal, sua periodicidade e regularidade das trocas, cujos resultados que podem ser expressos em gráficos permitirão visualizar a rede em pleno funcionamento.[3]
De acordo com Malatian, por meio das cartas pode-se identificar

as intrincadas redes de relações sociais que reúnem seus autores. Isto é importante, particularmente para o caso dos intelectuais, pois envolve sua rede profissional, onde ocorrem trocas de livros, opiniões, sentimentos diversos e firmam-se estratégias de atuação entre os pares. (...) Pelas cartas trocadas, percebe-se a organização de um grupo em torno de certos indivíduos que desempenham papel central a partir de um projeto ou objetivo comum. (...) O grupo comporta amizades e ódios, disputas e alianças a que está sujeito. Tais informações serão de grande utilidade também para a compreensão da personalidade de um determinado autor, da construção da sua obra, da recepção das suas idéias.[4]

A tarefa consiste em problematizar a inserção social de Lange e de seus interlocutores no universo cultural/musical modernista brasileiro entre os anos 1933 e 1946. Dentro destes fragmentos de diálogos codificados, a busca pelos significados dos códigos aponta para relações entre Curt Lange e o modernismo musical brasileiro representado nos discursos de outros intelectuais: Villa-Lobos, Mário de Andrade, Cláudio Santoro.
Apesar de não ordenados, hierarquizados ou necessariamente explícitos, os temas que transitam nas cartas tecem redes de sociabilidades que demonstram ou ocultam preocupações comuns que envolvem a cultura política[5] nacionalista dos anos 1930 e 1940: o nacionalismo musical, o dodecafonismo, a institucionalização da educação musical no Brasil, a criação de periódicos especializados em música e de órgãos oficiais para a circulação e difusão musical.
Os temas que ecoam nas cartas demonstram diferentes posicionamentos frente à natureza da nacionalidade musical brasileira. Um intenso debate em torno da construção de uma suposta musicalidade “originalmente” nacional dominou a cena musical entre os anos 1920 e 1940. Resultado deste debate estético, O Música Viva foi um importante periódico fundado por J. Koerreutter, músico alemão que chegou ao Brasil em 1937 e fundou, também, um importante movimento musical homônimo à revista aqui citada. O Grupo Música Viva era formado por compositores como Cláudio Santoro e Guerra-Peixe, diferenciava-se, em vários aspectos, do nacionalismo musical de Mário de Andrade e Villa-Lobos. Porém,
o grupo Música Viva não se tornou a vanguarda anti-nacionalista, como costuma ser visto, mas defendeu um novo nacionalismo – um nacionalismo de vanguarda. Os textos de Guerra Peixe e Santoro analisados, demonstram que o nacionalismo musical continuava sendo uma referência importante para o grupo, mas a necessidade de diferenciação em relação aos compositores consagrados levava os dois jovens a criticar sua forma de nacionalismo propondo uma reelaboração. Ao invés de um nacionalismo baseado em citações de canções folclóricas e construído com uma técnica composicional neoclássica, como vinha sendo praticado durante a década de 1930, o Grupo Música Viva defendia uma pesquisa das características técnicas do folclore musical que deveriam ser associadas às técnicas modernas de composição.[6]

Como é perceptível nas cartas dos seus representantes, desde o momento de sua fundação em 1939, o Grupo Música Viva provocou um conflito entre seus integrantes e a geração nacionalista representada por Villa-Lobos, Mário de Andrade, Renato Almeida, dentre outros. Os jovens compositores, representados por Koellreuter, Cláudio Santoro, Guerra Peixe, dentre outros, defendiam um novo nacionalismo calcado na revalorização da música popular, inclusive a música urbana, até então deixada em segundo plano pelo discurso nacionalista de outros atores. Estes modernistas utilizaram o dodecafonismo e, por isso foram bastante criticados por nomes como Villa-Lobos e Renato Almeida.[7]
Acredita-se aqui que uma história dos conceitos, tal como propõe R. Koselleck (2006) consiste numa metodologia importante. O que está em jogo nesta disputa pelo som deve ser percebido a partir das diferenças entre os conceitos de “moderno” e “nacional” implícitos nas duas vertentes musicais e musicológicas. Em outras palavras, a história dos conceitos busca o tempo histórico implícito na linguagem das fontes. No caso desta pesquisa, buscamos a relação entre futuro/passado construída pela produção musical e na musicologia. Qual o significado de “moderno” e “nacional” presente nos textos musicológicos e na produção musical de ambos os grupos?
Foram muitos os problemas encontrados pelo grupo de Koellreutter para se inserir naquele contexto nacionalista. A luta pela difusão da produção musical bem como as tensões advindas das idéias musicais conflitantes envolvia a publicação do periódico Musica Viva com a política nacionalista do governo Vargas. Assim, estes embates travados no campo da música não podem ser dissociados das tensões políticas sob as quais se assentava as questões mais específicas que ecoam na documentação.
Em carta enviada a Curt Lange em fevereiro de 1942[8], Koellreutter expressava sua intenção em publicar o Música Viva em três idiomas: inglês, português e espanhol. Pouco tempo depois, em outra carta de julho de 1942, Koellreutter dizia que
“Acabo de voltar do Departamento Estadual de Imprensa e propaganda onde fui recebido hoje. (...) O resultado é o seguinte: como a revista é impressa no Brasil temos que requerer no DIP do Rio de Janeiro (...) Porém, nos disseram que conforme o novo decreto da nacionalização da imprensa, “Música Viva” não pode sair em língua castelhana ou inglesa (...) Eu não entendo isso em vista da política de boa vizinhança e de pan-americanismo.” [9]
Nas entrelinhas desta carta estão implícitas alguns elementos que envolviam a produção musical e musicológica e aquele contexto político. Deduz-se aqui a presença de uma relação de força: por um lado, a tentativa nacionalista oficial que tinha como objetivo o controle da construção de uma identidade brasileira que fosse pautada num nacionalismo centralizador e homogêneo, por outro, a tentativa de músicos com tradições musicais e culturais diferenciadas que buscavam uma unidade pautada no denominado Americanismo Musical. Como vemos, esta última tendência encontrou resistência num terreno político nada fértil, politicamente, para a difusão de novas idéias que iam de encontro com as propostas nacionalistas representadas, por exemplo pela figura dominante de Villa-Lobos.
NOTAS:
[1]SADIE, Stanley. Dicionário Grove de Música: edição concisa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994.
[2] COTTA, André Guerra (org.). Guia Curt Lange. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2005.


[3] MALATIAN, Teresa. Cartas: narrador, registro e arquivo. In: PINSKI, Carla Bassanezi; LUCA, Tânia Regina de. O historiador e suas fontes. São Paulo: Contexto, 2009, p. 195-223.
[4] MALATIAN, 2009, p. 195.
[5] MALATIAN, 2009, p. 196.
[6] MALATIAN, 2009, p. 197.
[7] Sobre as relações entre a história dos intelectuais, a história política e social da cultura Sirinelli afirma que “a história dos intelectuais tornou-se (...), em poucos anos, um campo autônomo que longe de se fechar em si mesmo, é um campo aberto, situado no cruzamento da história política, social e cultural.” SIRINELLI, Jean-François. Os intelectuais. In: RÉMOND, Réne. Por uma história política. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ/Ed. FGV, 1996, p. 231-262.
[8] EGG, André. O Grupo Música Viva e o Nacionalismo Musical. ANAIS III FÓRUM DE PESQUISA CIENTÍFICA EM ARTE Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Curitiba, 2005.
[9] EGG, André. O debate no campo do nacionalismo musical no Brasil dos anos 1940 e 1950: o compositor Guerra Peixe. Dissertação de Mestrado apresentada ao curso de Pós-Graduação em História, do Departamento de História, do Setor de Ciências Humanas Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná, 2005.
[10] Carta de Koellreutter a Curt Lange, Rio de Janeiro, 02 de fevereiro de 1942. ACL 2.2.S15.0949.
[11] Carta de Koellreutter a Curt Lange, Rio de Janeiro, 23 de Julho de 1942. ACL 2.2.S15.0949.

domingo, 4 de abril de 2010

A historiografia entre o nacionalismo e a pós-modernidade

É consenso entre os historiadores de hoje que a história deve ser constantemente reescrita, pois, como nos ensinou Marc Bloch, o objeto de estudo da História são os homens e as diferentes sociedades humanas no tempo. Além disso, De acordo com José Carlos Reis, a história deve ser reescrita, seus temas sempre revisitados, seus interpretes sempre questionados, pois o próprio conhecimento histórico muda na sucessão temporal. A cada época, novos métodos, novos objetos, novos olhares, novas questões, novos campos, novas tipologias de fontes, novas experiências. Na concepção de Koselleck, a cada presente, a história atualiza a relação entre futuro/passado. Seria exatamente no entendimento desta complexa relação que se encontra a concepção de tempo histórico. Portanto, temas que podem não tomar muito sentido em outras épocas, abordagens que foram desconsideradas por outros historiadores, fontes que não eram visitadas anteriormente podem ser foco privilegiado da história hoje. Frente a estas questões podemos nos indagar: quais “histórias” estamos escrevendo nos dias atuais? O que é objeto do historiador atualmente? Como o interesse por certos temas do passado expressam nossa preocupação com o agora?

Estas não são questões para as quais conseguimos respostas rápidas e satisfatórias, mas o fato é que nitidamente observamos a multiplicação dos campos da pesquisa histórica nos últimos anos bem como o reaquecimento de debates sobre temas específicos outrora menos privilegiados pela historiografia. O nacionalismo é uma destas temáticas que tem ocupado um bom número de páginas das revistas, teses e dissertações especializadas em história tanto no Brasil quanto em outras partes do mundo. Para Hobsbawn, “a partir da década de 1980 o debate acadêmico a respeito da natureza e da história das nações e do nacionalismo tem sido contínuo”. Quais seriam os motivos para esta preponderância dos estudos sobre o nacional? Para este autor esta presença marcante é fruto de uma era de instabilidade internacional iniciada em 1989 que segundo suas convicções não se pode prever o fim. O fato é que esta era de instabilidade nos mostra que vivemos uma crise das identidades nacionais. Ainda de acordo com o Hobsbawn, a Guerra Fria era uma força estabilizadora do nacionalismo. As grandes potências que não são mais detentoras do monopólio bélico mundial deixaram de ser o centro, provocando um processo de globalização da violência armada a partir de uma nova articulação entre local e global que rearmou pequenos grupos militares pelo mundo e provocou ainda mais a instabilidade pelos quatro cantos do planeta. Governos centrais testemunharam o esfacelamento de seus territórios em dois, três ou mais Estados, como é o caso da Iugoslávia. A Europa que “inventou” o nacionalismo no século XIX, pátria original das nações modernas, assiste a desconstrução da sua maior invenção: a nação. Esta desintegração do poder central em alguns países do globo é um termômetro da relação entre nacionalismo e identidade cultural no mundo pós-moderno.

Para Jenkins, assim como para outros teóricos como Lyotard e Jameson, o pós-moderno é algo difícil de se definir, pois os apologistas do pós-modernismo defendem a idéia de que nada é sólido ou fixo neste mundo. Na definição de Lyotard, o contexto pós-moderno pode ser caracterizado pela “morte dos centros”, “incredulidade ante as metanarrativas”, “anglocentrismos”, “eurocentrismos”, “etnocentrismos”, “logocentrismos”, “sexismos” que já não são considerados legítimos, naturais, reais, mas sim, construções temporais, ficcionais que são úteis para formular interesses que não são universais.
A crise da idéia de um projeto iluminista, de emancipação do homem expressas por meio do humanismo, do marxismo e do liberalismo é resultado da descrença nas metanarrativas que estabeleceram um sentido para a humanidade, fundado na noção de progresso e de civilização. Segundo Jenkins, “o final do século XIX e o início do século XX assistiram a um solapamento da razão e da ciência”.

Retomando o tema levantado no início deste texto, sobre a necessidade de reescrita da história, revisitar o nacionalismo como tema frente a este contexto dito pos-moderno é uma exigência. De acordo com José Carlos Reis, a questão da nacionalidade pode ser encarada a partir de dois pólos destacados por Stuart Hall: essencialismo e nao-essencialismo. Hoje, a visão essencialista do nacionalismo cede lugar às análises construcionistas frutos deste presente descrente na existência de um “ser nacional”. Descrença esta que está conectada ao que se convencionou chamar de pós-modernidade e ao cenário descrito por Hobsbawn. A utopia de “uma” identidade nacional foi colocada à prova por um contexto globalizado que trouxe outra problemática levantada por Canclini: globalizar-se ou defender a identidade? Sobre a pós-modernidade, Jenkins não oferece opções aos historiadores e pondera: o que a história deve fazer para não negar, mas trabalhar e conviver com o pós-moderno? Quais os impactos para a natureza da história e para o trabalho do historiador?
A historiografia brasileira sofre diretamente o impacto deste cenário pós-nacionalista que se redesenha a todo instante, a predominância do regionalismo nos temas das pesquisas é um exemplo disso. Da mesma forma, diversos estudos se concentram em temas que espelham o aparecimento de identidades fragmentadas pelo processo descrito acima. Ecologistas, militantes homossexuais, minorias étnicas, artísticas, religiosas, sociais constroem estratégias de resistência ao processo de globalização, mas são ao mesmo tempo fruto desta.
Esta fragmentação identitária redesenhou de forma marcante o mapa da produção historiográfica brasileira e do mundo, tornou os temas mais pontuais e fez desaparecer as grandes interpretações do Brasil. A nação não é mais vista como uma unidade totalizante. Nasce nos textos de História um Brasil diversificado. Na verdade, nascem a cada dissertação e a cada tese, novos brasis atualizados com o presente também fragmentado pelo encurtamento das distancias e, fundamentalmente pelas reações a ela.

No caso dos estudos sobre o nacionalismo, este presente pós-moderno, no qual a nação se apresenta como uma verdade caindo pelas tabelas, os diferentes projetos identitários para a cultura brasileira são objetos constantemente revisitados. Segundo Koselleck, “ao constatarmos que ao refletir sobre os fatos estamos relacionando com conceitos, (...) tornou-se impossível, embora ainda se tente com freqüência, tratar a história sem que se tenha uma idéia precisa das categorias pelas quais ela se expressa”. É na distancia temporal que se percebe a historicidade das diferentes concepções do conceito de nação defendidos no Brasil. Debate que se mostrou e ainda se mostra tão caro a nossos pensadores, seja no campo da historiografia, da literatura e da pouco explorada musicologia.
Loque Arcanjo

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Marc Bloch e as bases para uma Nova História

Marc Bloch nasceu na França em 1886 e morreu em 1944 assassinado pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Em 1929, juntamente com Lucien Febvre, fundou a Revista dos Annales que se tornou o marco de uma nova perspectiva para a produção historiográfica do século XX. Seus colaboradores transformaram de forma radical o modo de produzir história a partir de então. Dentre as obras mais significativas de Bloch, destacam-se Os Reis Taumaturgos: o caráter sobrenatural do poder régio França e Inglaterra e Apologia da História ou do Ofício de Historiador. Este último pode ser interpretado como um manifesto a uma nova história. Este texto lança as bases do que será discutido pela história ao longo do século XX no que se refere à pesquisa histórica propriamente dita. Bloch discute no seu texto, dentre outros pontos, as relações entre o historiador e as fontes ou para usar os termos de Bloch, entre o historiador e seus “testemunhos”, que para ele devem ser pensados sob a ótica do debate sobre tempo histórico. Para Marc Bloch o passado não se modifica, por outro lado “o conhecimento do passado é uma coisa em progresso, que incessantemente se transforma e aperfeiçoa”. (Bloch, 2002, p. 75). Este método regressivo proposto por Bloch está intimamente ligado à defesa de uma postura diferenciada frente às fontes. Para ele, estas não podem dizer por si, por isso o historiador não pode se contentar em apenas registrar, “mas, a partir do momento em que não nos resignamos mais a registrar [pura e] simplesmente as palavras de nossas testemunhas, a partir do momento em que tencionamos faze-las falar [,mesmo a contragosto], mais do que nunca impõe-se um questionário. Esta é com efeito a primeira necessidade de qualquer pesquisa histórica bem conduzida”. (Bloch, 2002, p. 78).
Mesmo os textos mais claros, de acordo com Bloch, “mesmo os aparentemente mais claros e complacentes, não falam senão quando sabemos interroga-los”. (Bloch, 2002, p.79). Além deste fecundo posicionamento metodológico sobre as fontes, existe uma defesa da ampliação do horizonte de atuação do historiador, bem como da ampliação da própria noção de fonte histórica, pois “a diversidade dos testemunhos históricos é quase infinita. Tudo que o homem diz ou escreve, tudo que fabrica, que toca pode e deve informar sobre ele” (Bloch, 2002, p.80). Esta nova história francesa que se revitaliza a cada geração de historiadores revolucionou o fazer histórico ao estabelecer uma critica a noção de documento enquanto “verdade”.
Toda esta mudança de rumos na pesquisa histórica já era apontada por Bloch nos Reis Taumaturgos. Obra escrita vinte anos antes de Apologia da História, em 1924, esta já trazia as bases da revolução que as pesquisas do autor promoveriam na historiografia das décadas posteriores. Um dos elementos que evidenciam isto é a presença de uma ciência histórica construída de forma interdisciplinar. Por meio dos antropólogos James Frazer e Lucien Levy- Bruhl. os estudos em antropologia são uma das bases para o trabalho de Bloch.
A obra de Bloch deve ser compreendida a partir de um contexto particular. As experiências da Grande Guerra foram fundamentais para as mudanças historiográficas dos trabalhos do autor. A critica à historiografia anterior que se pautava nas narrativas dos heróis e das nações como fundamento essencialista da história pode ser vista como resultante da crise pela qual passava a própria civilização ocidental a partir do século XX. O sentido da história proposto pelo positivismo era colocado em questão juntamente com sua universalidade. A busca pelo inconsciente, pelas mentalidades pode ser interpretada como parte de sua experiência no front. “Carlo Ginzburg revelou e analisou a maneira pela qual Os Reis Taumaturgos nasceram da experiência da guerra de 1914-18. Marc Bloch viu ali a reconstrução de uma sociedade quase medieval, uma regressão a uma mentalidade “barbara e irracional”. “A experiência da guerra reforçou em Marc Bloch a convicção de que se a incompreensão do presente nasce fatalmente da ignorância do passado, (...) compreender o passado pelo presente”(...) A psicologia dos soldados e dos homens de 1914-18 esclarecerá a atitude das gentes da Idade Média para com o milagre régio.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Livro aborda a história e o tempo


A Editora da Universidade Estadual de Londrina tem a satisfação de informar a publicação do livro História, a ciência dos homens no tempo, do Professor José Carlos Reis, docente da UFMG.
Quem assina o prefácio é João Adolfo Hansen, professor de Teoria da Literatura da Universidade de São Paulo no qual destaca que este livro assume o desafio de pensar sobre o tempo. “Tratando de sua representação pela narrativa histórica, o autor especifica os modos e os meios com que o positivismo, o historicismo, o estruturalismo e a Éccole dos Annales relacionam as linguagens do presente e as durações mortas do passado”. Já o historiador Evaldo Cabral de Mello, responsável pelo texto de orelha da publicação ressalta a competência do autor em revolver o grande tema da filosofia crítica da história: a temporalidade histórica.
O livro tem 256 páginas, o preço é 40,00 e pode ser adquirido diretamente na EDUEL - telefone (43) 3371-4673 – e-mail distribuicao.editora@uel.br .

domingo, 7 de junho de 2009

TEORIA DA HISTÓRIA/ CURSO DE HISTÓRIA/UNIBH/3o PERÍODO

DISCIPLINA: TEORIA DA HISTÓRIA
CARGA HORÁRIA: 72 h/a


CURSO: HISTÓRIA
SEMESTRE: 1º 2009


TURNO(S): Manhã
PERÍODO: 3º


PROFESSOR(ES): Loque Arcanjo


OBJETIVOS
A - Analisar as relações entre história, tempo histórico e verdade na produção historiográfica das chamadas “Escolas Históricas”.
B - Perceber a historiografia ou a história da história como campo autônomo de estudo.
C - Avaliar a história cultural e a crise do marxismo no pós-1989.
E - Analisar as relações entre historiografia e pós-modernidade.
F - Discutir as diversas relações entre historiografia e trabalho docente.


EMENTA:

Análise dos pressupostos teóricos das principais concepções históricas. O Positivismo. O Marxismo. A Escola dos Annales.



METODOLOGIA
Aulas Expositivas
Apresentação de Trabalhos
Seminários


CONTEÚDO PROGRAMÁTICO

Unidades

1 -Introdução à história da história
História, temporalidade e verdade

2 - História e modernidade: Positivismo, Marxismo e Annales

2.1- Crise das filosofias da História e a invenção da ciência histórica no século XIX.
2.2 - O Marxismo: filosofia da História ou história científica?
2.3 - Os Annales e as Ciências Sociais: o estatuto de ciência para História.

3 - História e Pós-modernidade
3.1-1968-1988: da história nova a nova história cultural.
3.2-o pós-1989, a crise das metanarrativas e novos paradigmas.
3.3- A História Cultural como produção predominante.
3.4- Atividades referentes à ARPP.


AVALIAÇÃO
· D.A.D. (Desempenho nas Atividades Desenvolvidas): 50 pontos
· A.I.A. (Avaliação Intermediária de Aprendizagem): 25 pontos.
· A.F. (Avaliação Final): 25 pontos.
Exigência mínima para aprovação: 70 pontos

BIBLIOGRAFIA BÁSICA

· ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990-1993. 2 v. ISBN 857110106x

· GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras: Ed. Schwarcz, 1989. 281 p. ISBN 8571640386

· HALL, Stuart. Globalização: compreensão tempo/espaço e a identidade. Em direção ao pós-moderno global. HALL. S. A Identidade Cultural na Pós-modernidade. São Paulo: DP&A Editora, 2003.

· HOBSBAWN, E. Nações e Nacionalismo no novo século. In: HOBSBAWN, E. Globalização, democracia e terrorismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 86-97

· MARX, Karl. Manifesto do partido comunista. São Paulo: Global, 1981. 45 p.

· REIS, José Carlos. A história, entre a filosofia e a ciência. 2. ed. São Paulo: Ática, 1999. 96 p. ISBN 8508058675


BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

ANDERSON, Perry. As origens da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. 165 p. ISBN 8571105014

FONTANA, José. A Crise de 1989. In: FONTANA, J. A história dos homens. Bauru: EDUSC, 2004. 506 p. (Coleção História) ISBN 8574602000

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 10. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2005. 102 p. ISBN 8574903361

HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 7. ed. São Paulo: Edições Loyola, 1998. 349 p. (Temas de atualidade) ISBN 8515006790

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HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA/ CURSO DE HISTÓRIA/UNIBH/7o PERÍODO

DISCIPLINA: HISTORIOGRAFAIA BRASILEIRA II
CARGA HORÁRIA: 72H/A

CURSO: HISTÓRIA/UNIBH
SEMESTRE: 1º/2009

TURNO(S): MANHÃ E NOITE
PERÍODO: 7o

PROFESSOR(ES): Loque Arcanjo

OBJETIVOS :

A - Analisar o conceito de historiografia em Reinhardt Koselleck.
B - Perceber a historiografia como campo autônomo de estudo ou a História da História.
C - Apresentar o tempo histórico na historiografia Brasileira do século XX.
D - Os descobridores e os (re)descobridores da nação: as narrativas historiográficas e a invenção da identidade nacional.
E - Analisar as relaçoes entre historiografia e pós-modernidade.
F - Analisar obras atuais da historiografia brasileira.


EMENTA

História da produção historiográfica brasileira do século XX.


METODOLOGIA

Aulas expositivas, apresentação de imagens, seminários e apresentação de trabalhos em grupo.


CONTEÚDO PROGRAMÁTICO


1 Primeira Parte: A historiografia brasileira e a construção da nação. (REVISAO)
1.1 O conceito de historiografia em Koselleck: “campo de experiência e horizonte de expectativa.
1.2 A Historiografia como campo autônomo de estudo ou a História da História.
1.3 O tempo histórico na historiografia Brasileira do século XX.
1.4 Os descobridores e os (re)descobridores da nação
1.5 As narrativas historiográficas e a invenção da identidade nacional.


2 Historiografia brasileira e pós-modernidade
2.1 “As nações e os nacionalismos no novo século”: a historiografia entre a nação e a globalização.
2.2 A crise de 1989: a historiografia entre o fim do socialismo e a vitória do capitalismo.
2.3 A crise dos paradigmas ou um outro paradigma... indiciário?

3 A produção historiográfica brasileira contemporânea
3.1 Reavaliando o nacionalismo: a música de Villa-Lobos como invenção da nação
3.2 Relativisando a escravidão-cárcere: “Na senzala... uma flor”, “Escravidão e universo cultural
3.3 Novos sujeitos, micro-análises e narrativa: “Henequim” e “Chica da Silva”
3.4 Atividades Referentes à ARPP


AVALIAÇÃO
· D.A.D. (Desempenho nas Atividades Desenvolvidas): 50 pontos
· A.I.A. (Avaliação Intermediária de Aprendizagem): 25 pontos.
· A.F. (Avaliação Final): 25 pontos.
Exigência mínima para aprovação: 70 pontos


BIBLIOGRAFIA BÁSICA


ARCANJO, Loque. O ritmo da mistura e o compasso da história: o modernismo musical nas bachianas brasileiras de Heitor Villa-Lobos. Rio de Janeiro: E-papers, 2008. 165 p. ISBN 9788576501640

FONTANA, J. A crise de 1989. In: FONTANA, J. A história dos Homens. Trad. Heloisa Reichel e Marcelo F.Costa. Bauru, Edusc, 2004.

FURTADO, Júnia Ferreira. Chica da Silva e o contratador dos diamantes: o outro lado do mito. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. 403 p. ISBN 8535903496

GINZBURG, Carlo. Sinais: raízes de paradigma indiciário. In: GINZBURG, C. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo, Companhia das Letras, 1989.

HALL, Stuart. Globalização: compreensão tempo/espaço e a identidade. Em direção ao pós-moderno global. HALL. S. A Identidade Cultural na Pós-modernidade. São Paulo: DP&A Editora, 2003.

HOBSBAWN, E. Nações e Nacionalismo no novo século. In: HOBSBAWN, E. Globalização, democracia e terrorismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 86-97

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